Entre desencontros, o afeto.

Alanne Maria[1]

bell hooks, em seu livro All about Love, traz uma constatação, no mínimo, inquietante: nós não sabemos amar. Referências escassas de amor verdadeiro, orientações para esconder os afetos e desejo por poder nas relações criaram, sobretudo para os homens pretos, a impossibilidade de amar nas suas nuances mais cruas, cotidianas, verdadeiras. Segundo a autora, provavelmente morreremos sem ter vivido uma experiência digna do amar. Em todas as relações possíveis, sejam elas de amizade, trabalho, familiares e românticas.
No entanto, a impossibilidade de amar e viver o amor está diretamente relacionada com uma estrutura racista, patriarcal e classista. Tanto que para amar e conhecer o “amar perfeito” é preciso renunciar o desejo de poder, mas como se esquivar do seu uso quando uma sociedade funciona através dele? Como se render ao amor quando não possuímos exemplos de relações pautadas.
O Programa de Educação Tutorial (PET) funciona através da tutoria. Segundo o Manual de Orientações Básicas (MOB), um grupo tutorial se caracteriza pela presença de um tutor com a missão de estimular a aprendizagem ativa dos seus membros, através de vivências, reflexões e discussões, num clima de informalidade e cooperação. Obviamente, o entendimento de tutoria pode ser alargado e posto em outros termos, considerando, por exemplo, a perspectiva freireana e de bell hooks de educação. Horizontalidade, construção coletiva, cooperação, senso de comunidade e afeto seriam práticas e metodologias que apareceriam junto com a ideia de tutoria.
No PET Letras UFBA, durante os três anos do tutor Arivaldo Sacramento, conhecido como Ari, a ideia de tutoria expandiu-se para além das perspectivas apontadas. Com Ari, tutoria foi o exercício do amar e da renúncia das estruturas perversas e hierárquicas baseadas no poder ocidental. Com Ari, metodologias pautadas no afeto foram possíveis: delegação de atividades, construção coletiva de projetos, momentos de escuta, opiniões e personalidades divergentes, convívio e todos os desafios existentes no espaço acadêmico foram enfrentados com amor, no exercício do amar.
Para bell hooks, renunciar o poder em prol do amor – e do exercício do amar – é em qualquer ambiente, e em qualquer tempo, revolucionário. Ari, em seus anos de tutoria, conciliou o que para sociedades como a nossa, era inconciliável. Amar no espaço acadêmico: possível. Amar 12 pessoas diferentes e insurgentes: possível. Amar diante de inúmeras frustrações: possível.
Para além disso, o amor que Ari nos ofereceu enquanto tutor, foi capaz de apresentar estratégias de sobrevivência antirracistas e contra-hegemônicas e, ainda assim, conviver com suas estruturas. Desencontros para o amor, uma estrutura hostil para amar e o afeto materializado em uma pessoa, em uma existência.
Na sua tutoria, Ari, lidando com todas as nossas diferenças, com todos os conflitos, seguiu possibilitando o amor, vivenciando o amar. Diante das barreiras impostas para nos afastar do “amor perfeito e verdadeiro”, a existência e repetição das práticas de Ari dizem sobre romper com as estratégias que nos afastam do amor, e dignificam o amar. Ari é, em si, em sua conduta e existência, a prática do amor, a possibilidade de amar.

[1] Graduanda em Letras Vernáculas e Língua Estrangeira Moderna da UFBA. Bolsista do PET Letras/UFBA. 

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