ENTRE O SOM E O SILÊNCIO [Texto para o Mural: Vidas Negras Importam]
O som e o silêncio estão
ligados em uma linha tão tênue quando falamos de música erudita que um não
existe sem o outro. Assim, nesse espaço eles se complementam, para que
sinfonias, óperas e recitais nasçam. Porém, essa ligação não justa quando
falamos em relação a quem sempre ocupou e produziu nesse espaço e as pessoas
que historicamente o tiveram negado.
Uma vez quando perguntada
sobre a importância de participar de um coro erudito, fui invadida por uma
barulhenta onda sonora, eu me sentir resistência. Naquele momento só conseguía
pensar em Scott Joplin(1868-1917), um compositor e pianista norte-americano que
foi muito importante para a história dos negros na música. Scott sendo da
primeira geração pós-escravidão, teve muita dificuldade de colocar o seu trabalho
de maior sucesso nos palcos: a Ópera Treemonisha(1910),
peça que atravessa a sua história, e consequentemente a dos negros
norte-americanos. Silenciado, não teve reconhecimento do seu trabalho em vida,
montando a ópera uma única vez sem sucesso, mas deixando o mais importante
recado, o sua obra.
Há um tempo, eu assisti Treemonisha nos palcos. Montada pelo
Núcleo de ópera da Bahia (2017), era a primeira vez que me via em espaço como
aquele. Naquele momento, o som e o silêncio o qual estudamos tanto na teoria da
música se misturaram em um só lugar. Era a minha história, contada por pessoas
que se pareciam comigo e escrita por dedos tão resistentes que mesmo depois de
59 anos de morte pareciam mais vivos, representados e presentes do que nunca.
Contrariando, dessa
forma, a maneira como a música clássica sempre foi mantida por e para uma
elite, o Núcleo de Ópera mudou e deu outras cores ao espaço. Se procurarmos no
google por maestros, compositores e músicos negros que produzem esse tipo de
arte, quase não encontramos notícias, principalmente no que tange os lugares de
destaque, ou seja, mesmo rompendo com a lógica que o sistema mantém, ainda há
uma hierarquia racial que define os lugares que ocupamos quando estamos
presentes nesses espaços. Por isso, precisamos nos questionar sobre: quantas
vezes frequentamos salas de teatros, museus ou qualquer espaço da cidade em que
é oferecido esse tipo de música? Será que nos sentimos confortáveis nesses
ambientes? E ainda, qual é o motivo de uma cidade como Salvador não ter muito
incentivo ligado às artes clássica, quando em cidades do sul parte significante
do orçamento é dedicado a essas artes?
Em Salvador, a OSBA-
Orquestra sinfônica da Bahia- tem projetos realizados em parceria com a
secretaria de desenvolvimento social do estado. Sendo assim, eles fazem um
trabalho de democratização da música clássica, cujo o objetivo é trazer a
música de orquestra para a população que geralmente não tem acesso a esse
universo. Indo a esses concertos eu não me via com muita frequência, nem no
palco, nem na orquestra. Isso, ajuda a confirmar a premissa de que a senzala
está presente na nossa mente, fazendo com que espaços como esse seja visto pela
sociedade, ainda, como parte da casa grande, nessa hora o silêncio é inegável.
Assim, eu tive um sonho
esses dias, um sonho em que um coro saído de umas das cidades mais negras do
Brasil, cujo o corpo corista é formado majoritariamente por negros, foi para um
dos concursos internacionais mais importantes do país e saiu vencedor. Naquele momento,
a concentração foi tão grande que estavam presentes pessoas que contribuíram
para que eles pudessem estar nesse espaço. Lá estavam: Scott Joplin, Chiquinha
Gonzaga(1847-1935), Padre José Maurício(1767-1830) e todos os outros que usaram
a música como uma forma discutir os silêncios e sons que ecoam na vida de
pessoas negras. Esse devaneio que tive foi tão grande que eu nem me dei que se
tornou real. Fomos ao sul, cantar, e a cada nota confirmou que estamos na
música para romper com as lógicas perversas do racismo e ser, sobretudo,
resistência.
Maria Fernanda Cardoso
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