INHAIIIIIIIIIIIII [Texto para o Mural "Corpos dissidentes: literatura, dança e teatro"]

INHAIIIIIIIIIIIII

Hilário Mariano dos Santos Zeferino

“Ai meu Deus, o que que é isso quéssas bixa tão fazendo?
Pra todo lado que eu olho, tão todes enviadescendo”.
Linn da Quebrada (2017)

(Extremamente) Dentro do meio musical brasileiro, a variedade de performances de artistas configura uma constelação de possibilidades de representações, tanto no que podemos chamar de “velha guarda”, quanto na “jovem guarda” nos vários gêneros musicais no país.
Historicamente, cantores e cantoras geraram (e vêm gerando) a pergunta que epigrafa esse texto, trecho extraído da música “Enviadescer”, de Linn da Quebrada (2017). Tal questionamento, presumimos, é oriundo da impressionante característica versátil, tangenciadora e de caráter vanguardista e relimitrofizador das pessoas cantoras.
As performances de artistas tais como Ney Matogrosso ou Liniker, através de seus potenciais políticos, desaquendam ideias que se pretendem monolíticas e, através da articulação coletiva, tais artistas colocam em pauta suas existências e suas formas de existir.
Percebemos que as fronteiras entre gêneros (em duas das possíveis acepções para a palavra) são cada vez mais borradas por ajuntamentos-bandas artístico-musicais, tais como As Bahias e a Cozinha Mineira, Não Recomendados e francisco, el hombre, coletivos que se apropriam de elementos musicais consagrados não só dentro do eixo internacional, mas também do nacional, a exemplo das músicas-releituras que os Não Recomendados, grupo formado por Caio Prado, Diego Moraes e Daniel Chaudon. Como traz Horta (2016) “O repertório [dos Não Recomendados] vai de Chico Buarque a Queen, passando por Gilberto Gil, Só Pra Contrariar e canções autorais. A atuação deles ultrapassa discussões sobre conceitos de gênero. Em cena, são nossa utopia, porque são livres”.
Curiosamente, o nome do grupo advém de uma das músicas de Caio Prado, “Não recomendado”, oriunda do seu álbum de estreia Variável eloquente, lançado em 2015. Pensamos que o grupo deseja, a partir disso, incorporar e transformar a energia que pulsou na construção dessa canção, convertendo em vida e realização. Essa canção, como bem disse o cantor Almério, já se configura desde a gênese como um clássico musical dessa nova geração. A afirmação foi dada em entrevista para o Rock in Rio de 2017, festival no qual ele, juntamente com Liniker e Johnny Hooker, cantou a música para um público de variadas idades.
É da tônica de muitas das pessoas cantoras desses círculos trazer o corpo como suporte da materialidade da denúncia. Marcadamente, os Não Recomendados fazem isso quando incorporam a revolução. A forma da existência que é colocada como plataforma potencial por pessoas múltiplas, como traz Linn da Quebrada (2017) “Mas não tem nada a ver com gostar de rola ou não / Pode vir, cola junto as transviadas, sapatão”.
A pluralidade de performances transpassa as sexualidades de quem canta e performa. As articulações acontecem todas ao mesmo tempo e entre todas as pessoas cantoras. Desde mulheres pretas do Nordeste, como o corpo no mundo que denominam Luedji Luna, até o paraense Jaloo que traz um misto de sons e ritmos das músicas eletrônicas e sons lidos como ambientais e um trato com as referências culturais cuidadosamente orquestrado. Desde a drag queen Pabllo Vittar, que se torna cada dia mais reconhecida no meio musical brasileiro, até o já citado Almério, cujo trabalho se encima num lirismo com elementos de música nordestina e peruana.
Essas associações presumimos através de um acompanhamento assíduo das redes sociais de tais artistas, como Instagram, Twitter e Facebook. Houve momentos de anúncio de shows com muitos dos nomes citados (e não citados) aqui, bem como em situações rotineiras, especialmente quando se fala em Liniker, que já teve encontros musicais com Tássia Reis em um momento e Linn da Quebrada e Pabllo Vittar em outro. Essa última tem, entretanto, uma relação mais tensa com uma pessoa cantora que se volta ao rap, Rico Dalasam. Existe, portanto, uma comunicação e certa frequentação mútua, até mesmo aos shows uns/umas dos(as) outros(as).
Como dito anteriormente, as referências que essas pessoas cantoras trazem são das outras guardas da música brasileira, como Caetano Veloso, Vinícius de Morais, Tim Maia, Rita Lee, bem como eles e elas mesmos e mesmas, como dito por Liniker que escreveu a música “Lina X” do seu álbum Remonta, para homenagear Linn da Quebrada, que abre as alas e atravessa todo esse texto. Não se encerrando, entretanto, nesse círculo mais difundido dentro da indústria fonográfica, ocupando-se, também, de elencar ritmos, sons e textos das culturas de matrizes não só indígenas, como também africanas. Reportamo-nos, especialmente, a Xênia França, no tocante às reverberações sonoras do candomblé em suas canções.
Sem sair de cima do salto, tais artistas incutem, ou seja, inscrevem sob a pele, em suas músicas, pautas políticas das mais variadas formas e recortes de maneira potente e orgânica. O corpo que denuncia traz a potência de dentro de si mesmo. De sua própria existência e das dores que isso acarreta.
Existe de forma muito forte a impossibilidade de tratar de todas as existências ao longo desse tecido, mas não é algo que as existências não deem conta de tratar por si mesmas.


Referências

HORTA, Andreia. Não Recomendados, a recomendação da atriz Andreia Horta. Trip, São Paulo, jun. 2016. Disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/trip/conheca-o-grupo-nao-recomendados-por-andreia-horta >. Acesso em: 20 de maio 2018.

QUEBRADA, Linn da. Enviadescer. Intérprete: Linn da Quebrada. In: QUEBRADA. Pajubá. São Paulo: YB Music, 2017, 1CD. Faixa 10.

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