Escritas negro-femininas: Lívia Natália

Por Cely Pereira


[...] A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede.
(EVARISTO, Conceição. Cadernos Negros, v. 19)

Abro esse escrito com um questionamento dado por Audre Lorde em seu texto “A transformação do silêncio em linguagem e ação”: “Que palavras ainda lhes faltam? O que necessitam dizer? Que tiranias vocês engolem cada dia e tentam torná-las suas, até asfixiar-se e morrer por elas, sempre em silêncio?”. Ser escritora negra no Brasil é um desafio. Tanto por ser mulher, tanto por ser negra. Esses recortes que são historicamente silenciados e negligenciados, hoje, são de extrema potência para as produções e funcionamentos das engrenagens da sociedade. Não só hoje, como sempre! As mulheres negras foram e são protagonistas de suas histórias desde sempre!
Verbalizar as angústias, os medos, os receios e os desejos é um ato político. Um ato de elaboração de conhecimentos. Além de falar ser uma forma de grito à nossa existência, falar se configura como uma maneira de construirmos nosso conhecimento. Na fala há a construção de nossa força, de nossas histórias, acontecimentos, dores, vitórias. Na oralidade os pensamentos mais enérgicos são produzidos, juntamente com os efeitos de sentidos necessários para a manutenção das mais variadas histórias.
As produções de autoria negro-femininas se arquitetam pelo atravessamento da luta diária contra o racismo, o machismo, a lesbofobia, que são violências estruturalmente intrínsecas à figura feminina na vida social. A Literatura, como campo político, passa a ser um espaço de denúncia que contribui não só para divulgar produções e escrituras de autoria negra e, mais que isso, afro-brasileira, como também se torna um local habitado por esses corpos muito machucados e negados o tempo todo, sem deixar esquecer.
Os corpos femininos negros estão produzindo sobre eles mesmos, o protagonismo dentro da literatura se mostra presente, potente, ameaçador, já que ela, a Literatura, sempre foi um espaço de homens, brancos e europeus. Hoje, não um hoje cronológico, mas um hoje extenso, a Literatura é utilizada como instrumento de militância, quebrando os silêncios da mulher negra nesse espaço, mantendo viva e em constante transformação as vidas e histórias de protagonismo dos nossos.
Falando em manter vida as histórias e os protagonismos dos nossos, trago Lívia Natália, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutora em Teoria da Literatura pela mesma instituição, escritora, poeta, vencedora de alguns prêmios (colocar todos os prêmios aqui). Lívia é uma poeta das águas, águas que germinam sementes, que adubam a terra arada para novos nascimentos, águas que correm soltas. Água é um tema muito presente em suas poesias, ela, que se apresenta como uma figura extremamente importante nos deslocamentos dos espaços.

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