Escrita negro-feminina: um fazer de (r)existência.

Por Alanne Maria

Conceição Evaristo, em uma reflexão para a revista Scripta, afirma que o texto não é fruto de uma geração espontânea. Ao contrário, o texto tem uma autoria, um sujeito, uma subjetividade própria. Ora, pensar a escrita negro-feminina é pensar a subjetividade que a constrói, mas sem se furtar de observar como a exterioridade – em sua força e multiplicidade – tenta forjar esse traço através de teorias racistas, misóginas e capitalistas. Pior, uma exterioridade que abraça o universal, traduzindo-se para as mulheres negras e sua produção literária como a negação da existência.
Então, nesse contexto, a escrita negro-feminina trata e é sobre existência. Não apenas a existência literal, do ato de escrever, de tecer o texto literário. Mas, sobretudo, no sentido e no direito de pensar a literatura enquanto estética, documento, memória, filosofia, arte e, por último, mas não só, tampouco menos importante, pensar a literatura juntamente com os elementos intrínsecos à existência das sujeitas e suas subjetividades, principalmente os que concernem a afetividade: amor, companheirismo, silêncios, gritos, dores. Digo isso certa de que é preciso demarcar o lugar da existência, pois a exterioridade trabalha arduamente para marcar o não-lugar das mulheres negras, reproduzindo discursos em que estas são preteridas, hiperssexualizadas, estigmatizadas como muralhas (desumanizadas), violentadas das mais diversas formas e assassinadas simbólica e literalmente, sendo tais estigmas reproduzidos largamente na produção literária dita como universal: a literatura brasileira.
No entanto, entendendo que não se escreve negligenciando identidade histórica e subjetividade, bem como exportando do fazer literário de quem se é, é importante criticar e cisar a universalidade da literatura quando ela se diz só literatura brasileira, e, por vezes, até como literatura negra, tendo em vista que a experiência de homens e mulheres negras, apesar de próximas em determinadas instâncias, se distanciam muito em outras. Portanto, não reivindicar a escrita negro-feminina mais do que não legitimar, é apagar a(s) existência(s). Assim, se o fazer literário das mulheres negras por si só, em sua materialidade, é sobre existência, em um contexto em que ele tenta ser apagado, ele também é um fazer de resistência.
Não por engano, temos mulheres negras presentes na escrita negro-feminina, seja produzindo-a, teorizando-a ou se movimentando – o mais comum – nessa forma de produzir uma literatura que demarca lugares e se anuncia. Nessa perspectiva, Profª. Drª. Florentina da Silva Souza materializa e abre caminhos, pois nos ajuda a dar vida a poemas como o “Still I Rise”, de Maya Angelou. Não apenas porque mobiliza a literatura negro-feminina, revertendo lugares e sentidos, mas também porque impulsiona a coletividade e potência dessa escrita e nós, mulheres negras, entendemos que apesar dos esforços da exterioridade que nos mata still we rise quando vemos uma das primeiras mulheres negras professora da universidade que fazemos parte discutindo nossa existência – a escrita negro-feminina, entendemos que still we rise quando temos uma mulher negra como referência nos estudos étnicos, entendemos que still we rise quando a coordenação de espaços de produção intelectual é feita por mulheres como Florentina.
Para além disso, é preciso trazer nomes como Florentina e Maya, pois além de afirmar a existência, (re)colocam em pauta os trânsitos da diáspora, as identidades afrodescendentes, a produção intelectual negra, entre tantas outras questões que reverberam na escrita negro-feminina. Retomando as reflexões de Conceição Evaristo, ratifico a importância de se afirmar que o sujeito autoral na escrita negro-feminina existe e não se aparta da sua identidade, pois existe uma legião de Florentinas e Mayas prontas para rasurar o lugar da não-existência guardado dentro dessa literatura universalizante e silenciadora configurada na literatura brasileira.


Referências

EVARISTO, Conceição. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2º sem. 2009.

Comentários

  1. Perfeito! Vou citar vc, hein! Parabens! Mais uma intelectual negra florescendo!

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