Ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) no México

Ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) no México

Entrevista com Priscila Machado

por Paula Fernandes

 

Durante seu trajeto na universidade, Priscila Machado foi integrante do grupo PET-Letras e professora em formação do Núcleo Permanente de Extensão em Letras (Nupel) por dois anos, além de ter feito um intercâmbio com duração de seis meses no México. Após se graduar em Letras/Espanhol pela Universidade Federal da Bahia em 2015.2, voltou para a cidade de Guadalajara, México, e, lá, atua como professora de PLE, tradutora e intérprete.


 

PET-Letras (PET): Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou ao ensinar PLE?

Priscila Machado (PM): Quando comecei a ensinar PLE, eu não tinha nenhuma experiência, era algo muito novo para mim, posto que o cerne da minha formação foi o ensino da língua espanhola. Entretanto, toda a prática obtida na minha estância no Nupel e na minha graduação em geral pôde ser adaptada ao meu objetivo durante aulas de PLE. Além disso, obviamente, a experiência de ser petiana me ajudou bastante (de maneira indireta, mas que considero como algo fundamental, já que, como integrante do grupo PET-Letras, também tive a oportunidade de ter contato com a docência nos projetos de extensão).


Bem, a principal dificuldade que enfrentei foi a falta de experiência com o ensino de PLE durante a minha formação, assim como a falta do suporte teórico que pudesse suplantar tal dificuldade. Dessa forma, a minha primeira reação foi pesquisar materiais didáticos e teóricos com esse enfoque – o que foi bastante útil para ajudar a entender um pouco mais sobre o contexto e formas de atuação; porque, sim, eu tinha uma experiência de mais de três anos como professora de espanhol, porém o ensino de cada língua designa necessidades específicas. Em outras palavras, podemos reformular algumas atividades, planos de aula, dinâmicas etc., mas sempre devemos direcionar o objetivo para necessidade real da língua que será ensinada.


Depois disso, me lancei à prática, algo que parece temeroso, mas que para mim foi a parte mais legal, uma vez que foi onde pude aprender e destrinchar as minhas inquietações. Como o meu contexto é o ensino de PLE para mexicanos, o que me ajudou muito foi o conhecimento da língua hispânica. Assim, quando as dúvidas apareciam, eu conseguia oferecer um exemplo ou comparações que possibilitavam uma melhor compreensão – não acho que falar a língua nativa dos alunos seja essencial, mas me ajudou bastante. Outro aspecto interessante é que tenho aprendido muito mais a minha língua, porque saí do uso mais corriqueiro para algo que exigia muito mais dos meus conhecimentos: a galera vai me perguntar e eu preciso estar preparada para responder (risos). Essa parte é meio tensa, mas é a parte de que eu mais gosto, sentir que estou aprendendo e que, no final das contas, estou tendo uma formação em PLE na “tora” (risos).


Enfim, é mais ou menos isso, na prática tudo vai se ajustando, penso que investir na formação constante é muito importante e, sobretudo, entender que preparar o plano de aula e tentar prever algumas situações também é uma ferramenta muito importante – não somente para o ensino de PLE, claro.


PET: Vira e mexe aparecem alguns editais para brasileiros ensinarem português no exterior, principalmente porque o Brasil é um país que recebe investimento de empresas internacionais, o que atrai muitos profissionais estrangeiros. Era inevitável que, em meio a todo o cenário político que estamos vivendo, esse investimento fosse abalado. Qual é o estado, então, do mercado de trabalho para jovens professores de PLE por aí?


PM: Então... O mercado de PLE aqui, em Guadalajara, é muito amplo e quase sempre vejo que tem trabalho disponível, pois o tempo inteiro as pessoas estão buscando professores de português. Na verdade, buscam brasileiros que moram aqui, porque, para falar a verdade, de todos os professores que conheci aqui, sou uma das poucas com uma formação em Letras que está trabalhando com PLE.  Não sei dizer como é em outros lugares aqui, no México, mas suponho que, na maioria das cidades, seja possível encontrar trabalho na área. O fator “formação” não é algo tão exigido, pelo que tenho visto, porém pode ser uma vantagem; então, se você é de letras e quer trabalhar com PLE no México, vai encontrar trabalho rapidinho.

 

PET: No ensino de uma língua estrangeira, é bastante comum o uso de um livro didático como instrumento de suporte do planejamento do curso e da aula propriamente dita. Tendo em vista que o português uma língua falada em continentes diversos, por populações que possuem culturas e realidades completamente diferentes – sem contar as variações que toda língua sofre –, como são os materiais didáticos de PLE e como eles lidam com essa diferença?


PM: Esse é um ponto sempre complicado. Os materiais didáticos são, na maioria das vezes, estereotipados. Um aluno já chegou a perguntar se morava muita gente no norte e nordeste do país; ou seja, nós (nordestinos) não estamos e não existimos para a maioria dos materiais didáticos (que eu tive contato) em PLE. Por isso, a questão do material didático tem que ser um trabalho continuado de avaliação crítica, ou seja, sempre será preciso refazê-lo, agregando outros materiais e focando em desmistificar o livro. Acredito que ele possa ser uma ferramenta positiva, se nos preparamos para usá-la. Aconselho estarmos sempre preparados, porque podem surgir situações absurdas, como um texto estúpido, racista, que estava em um material didático que eu trabalhei uma vez. Ele falava sobre a presença japonesa no Brasil: começava abordando a história e, no meio do texto, uma parte ressaltava as questões físicas dos japoneses como uma desvantagem – ou seja, um texto extremamente bizarro. Em suma, insisto que o material seja algo visto com antecipação, para evitar esse tipo de situação. Não acho que exista um material didático perfeito, penso que é algo que requer uma reatualização e reavaliação do professor a todo o momento.


 

PET: Uma vez fizemos um trabalho, aqui, no PET, com alunos intercambistas e foi, então, que tive uma noção maior das muitas oportunidades que o Brasil proporciona para quem quer estudar e conhecer um pouco a nossa cultura. Além disso, tem toda essa questão, como já discutimos anteriormente, de o Brasil ser uma país que recebe investimento de empresas estrangeiras. Gostaria, então, que comentasse um pouco o perfil dos alunos que buscam aprender PLE e quais são as necessidades mais recorrentes.


PM: A maioria dos alunos com que eu tive contato estavam estudando a língua portuguesa por questões trabalhistas ou acadêmicas. Por exemplo, o meu primeiro grupo precisava aprender porque uma das filiais da empresa na qual eles trabalham está em São Paulo, então era necessário manter um contato frequente. No geral, a maior procura é por questões de trabalho.


 

PET: Ainda há algo que você considere importante e queira comentar?

PM: Gostaria de ressaltar que é muito importante buscar um espaço durante a formação para investir na experiência prática em sala de aula, independente dos caminhos escolhidos depois da universidade, seja como professor de português, PLE ou de qualquer língua: ter tido a oportunidade de praticar, errar, trocar figurinhas com companheiros e professores foi muito importante e me ajudou muito. E, claro, é algo que nunca devemos deixar de fazer, isso torna a nossa aula mais orgânica, crítica e atualizada. No mais, deixo o meu contato, caso alguém queira vir ao México e tenha curiosidades mais específicas, será um prazer poder ajudar de alguma forma: pricilaxmachado@gmail.com.


 

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