Ensino de língua estrangeira na educação infantil: um relato

Ensino de língua estrangeira na educação infantil: um relato

por Hilário Zeferino

 

Quando eu inicialmente respondi a questões como, por exemplo, “Com o que você trabalha?” com “Eu trabalho com ensino de inglês para educação infantil”, vi algumas faces de espanto:

‒ Crianças estudam inglês?! ‒ me perguntaram.

‒ Como elas conseguem aprender?! Porque eu não saí do básico… - Com algumas ressalvas, respondi a essas questões que sim e sim.

Estruturalmente, a instituição na qual exerci essa agridoce função admite crianças a partir de um ano de idade, visando inseri-las num ambiente bilíngue. A partir disso, pode-se entender que os estudantes não estão em processo de avaliação, pelo menos até chegarem ao primeiro ano do ensino fundamental. O que é visado é a aquisição dual de línguas, aquisição essa que acontece independentemente de quaisquer questões, quer intrínsecas, quer extrínsecas ao ser humano, dada à consideração de que a tendência natural dos seres humanos é adquirir uma língua natural, seja ela oral ou gestual.

Aquisição de língua difere de aprendizado de língua quando a primeira acontece estritamente, conforme estudos chomskyanos, durante um período (o chamado período crítico) e a segunda é o mais próximo que se consegue chegar do que se chama de fluente. Por isso, dizem que se pode aprender várias línguas, mas adquirimos apenas a materna, podendo ser essa língua materna uma ou mais de uma, como foi o caso de um aluno que era exposto a três línguas distintas e apresentava, guardadas as proporções, certa proficiência em todas.

Em horários usuais de escolas, os estudantes têm aulas de inglês e português com professores diferentes abordando temas semelhantes e, ao longo do ano, pude perceber várias características diferentes em cada aluno e aluna: se há maior facilidade/afinidade com uma língua ou com outra; se, com alunos de cinco anos de idade, eles leem em ambas as línguas ou apenas em uma; entre outras características que vi e que não vi também.

‒ Vem cá, as crianças não confundem as línguas? Não misturam as palavras?

Essa foi uma pergunta que eu ouvi e também me fiz logo que comecei e, diferente da resposta anterior, para essa é sim e não.

Sim, em certos momentos, pode haver uma mistura de termos, mas nunca inconsciente do que estavam falando e/ou perguntando. Então, se me perguntavam “Onde eu guardo o meu book?”, eu não me preocupava se aquela criança havia esquecido a palavra “livro”, em português. O que mais frequentemente acontece é a transferência de estruturas de uma língua para outra, como datas.

‒ Qual a data de hoje?

‒ Março vigésimo! ‒ respondia uma aluna em especial, que se destacava em momentos de inglês, durante a aula de português.

A adequação de seu discurso para esse tema ocorreu naturalmente, respondendo a questão em inglês com a estrutura de data adotada pela língua e igualmente em português.

Portanto, não. Uma criança sabe discernir línguas desde muito cedo e, ainda que se fale com ela misturando palavras, ela tenderá a compreender, desde que esteja dentro do seu alcance.

Visando uma perspectiva internacionalizadora, a instituição possui vários eventos e temas que ampliam a visão de mundo e, especialmente através de músicas e vídeos disponíveis online, os e as docentes paulatinamente inserem no universo infantil conhecimentos como estações do ano, emoções, direções, estruturas características do inglês (como o clássico adjetivo a frente do substantivo), datas importantes de vários países, assim como, em dado momento, a cultura propriamente dita de um país em específico, usualmente países de língua inglesa.

A abordagem bilíngue apresentada funciona muito bem no âmbito escolar; entretanto, para que haja uma imersão total da criança nesse ambiente, é necessário que, também, seja a casa um espaço duplo e que quem faz parte desse espaço com maior frequência seja também, envolvendo, dessa forma, a criança por todos os lados.

Há questões ainda que não me atrevo a afirmar:

‒ Uma criança bilíngue vai saber as duas línguas no mesmo nível?

Algumas coisas podem ser levadas em consideração para pensar isso, mas o solo é muito incerto para firmar ideia; por exemplo: deve-se considerar a afinidade ou desafinidade da criança com determinada língua, estímulo doméstico com determinada língua, afinidade com o(a) docente que está responsável por inseri-la naquela língua, entre outras.

Em termos proficiência linguística, nenhuma das salas com as quais tive contato apresentava homogeneidade em compreensão ou articulação das duas línguas. Os estudantes tinham variados níveis de articulação linguística e de alfabetização ‒ alguns e algumas gramaticalmente mais preocupados, outros(as) iniciando o caminhar silábico.

Em suma, pode-se depreender que o ensino de língua estrangeira na educação infantil é um caminhar caoticamente ordenado e superdilatante no qual cada ser em aperfeiçoamento e adaptação urge suas necessidades e responde de forma extremamente própria às demandas de quem está ali para facilitar seu desenvolvimento.

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