Entrevista com Taís Ribeiro
Cely Pereira e Gleisson Alves
A educadora, graffiteira, negra e feminista Taís Ribeiro, a Tata, vem fazendo os seus trabalhos com o graffiti há cerca de, mais ou menos, um ano. Através da busca pelo aprendizado constante, junto com outras mulheres, ela tem deixado sua arte espalhada por onde passa, e é desta forma que sente-se mais pertence à cidade de Lauro de Freitas, onde mora há 19 anos, e Salvador, onde passa boa parte do seu tempo.
PET-Letras: Gostaria que você contasse um pouco para a gente como se deu o contato com o grafite?
Taís Ribeiro: Então, eu terminei o mestrado em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação em fevereiro deste ano. Eu fiz um projeto de pesquisa aplicada para a educação básica em arte e tecnologia. E, como a perspectiva era de construção coletiva, pedi para os alunos escolherem um eixo central para trabalhar a arte. No segundo ano do projeto eles escolheram hip hop. Então, eu fui fazer uns cursos, porque eu não sabia nada de hip hop. E, apesar de trabalhar com outras linguagens artísticas, eu nunca tinha trabalhado com graffiti. Foi uma experiência ótima. Fiz um curso do projeto mundo afro, com Marcos Costa, no bloco Malê Debalê e, basicamente, estou trabalhando com graffiti há 1 ano. Aí, eu fiz um mural na UNEB, nos 33 anos da Universidade. E foi bem maravilhoso, porque a UNEB faz parte da minha história com o graffiti que eu fiz esse trabalho, na temática de universidade popular e inclusiva. E eles fizeram um front light que está lá na Universidade, na portaria principal.
PL: E como é sua relação com a cidade, após o graffiti?
TR: Então, eu sempre tive uma relação com a cidade muito instável. Porque eu sou de Salvador, fico muito em salvador, mas moro em Lauro [de Freitas] há 19 anos. E aí eu me sinto meio "externa".
PL: E enquanto graffiteira? Como tem sido em a relação com a ocupação da cidade?
TR: Eu tenho umas fases. Tem hora que me sinto muito pertencente e horas que não. Porque a distância afasta muito a gente. Então, é isso. Eu acho que ocupar a cidade é muito mais que a arte. A arte é um registro do processo. Mas é no processo que a cidade se apresenta como sua ou não. Eu me sinto muito parte de vários lugares. Mas ao mesmo tempo, ao voltar para meu lugar, essa sensação de ocupação, para mim, é muito volátil. Eu tenho pintado orelhões aqui perto de casa. Eu gosto muito de ver a minha arte onde transito todos os dias. É como deixar um pouco de mim e poder visitar sempre. Acho que a cidade é parte da gente. E a gente precisa se reconhecer no nosso lugar de vivência. E a arte, a cultura, tem um papel fundamental nisso. Sobretudo, a arte não monetarizada. A arte que a gente faz no dia-a-dia. Nas coisas que a gente não está trocando por dinheiro.
PL: Existe uma defesa política, intencional, que move você a fazer os seus graffitis?
TR: Eu acredito muito nas energias das conexões que a gente constrói na vida. Acho que a minha arte tem muito disso hoje. Dessas pessoas que estiveram no meu caminho até hoje. Porque política é tudo aquilo que a gente constrói na relação com o outro. E essa pessoa que me tornei depois de construir junto um projeto de arte e tecnologia na rede pública de ensino foi muito significativo para mim, na valorização de saberes não acadêmicos, sobretudo na valorização de trajetórias de vida. Nas diferentes percepções do que a arte pode ser. E aí eu trago muito da arte negra urbana. Porque acho que isso que a minha arte é. Não é uma coisa de resgate identitário. Mas de uma coisa que sempre esteve ali, mas a gente é educado que a arte tá no museu, na galeria. E a gente acha que o que está fora é até bonito, mas não é arte. A gente passa a olhar o cotidiano com outros olhos e muita inspiração ideológica apenas se evidencia mesmo.
PL: Como você enxerga a questão da discussão sobre "Graffiti X Pixação"?
TR: Essa pergunta sempre rola! Hahahaha. Eu acho tudo arte, sabe? Eu não vejo muita diferença estética, porque eu não consigo nem começar a julgar as motivações do outro, os modos de expressão do outro. Porque, veja, as transgressões sociais são uma realidade que a gente não tem muito o que dizer. Essa pergunta para mim sempre soa como "O que você acha de quem traseira no buzu, já que você pagou a passagem?". E no fundo, não acho nada. Meu achar é o quê nesse universo de possíveis formas de expressão humana? Tem uma série de grafiteiros e graffiteiras que fazer arte em muros sem autorização. Então, quais os limites do que é graffiti? Acho que cada um define o que faz a partir das suas práticas.
PL: Como é ser e mulher e graffiteira?
TR: Então. É a mesma coisa que ser mulher em qualquer lugar. É barril! Tem muito machismo disfarçado de "qualidade de trampo". Porque os caras colam em outros caras não tão bons para dar rolê, mas não cola com as meninas. E uma conversa constante de que "não tem mulheres" na rua. E, eu, nesse um ano, já ouvi falar/conheci uma quantidade enorme de mulheres artistas. Eu busco muito a evolução do meu trabalho, mas dentro das minhas limitações. Todas temos limites físicos e emocionais. E eu faço a minha arte da melhor forma possível e não para alguém achar que agora eu estou habilitada para determinados rolês. Eu tenho focado muito, nos últimos meses, em me estabelecer como artista profissional. E isso tem um custo, né? A gente precisa abrir mão de certos espaços para dar lugar a outros. E o machismo contra qual eu luto é muito semelhante ao que travo na universidade, nas escolas onde sou professora ou quando caminho na rua. Ele está aí, na espreita sempre. A gente vai driblando o errado, buscando encontrar caminhos menos tortuosos, encontrando parceiras que caminham um tempo conosco, em outra parte do caminho estamos mais sozinhas. Eu gosto muito de pintar com outras mulheres. É suave e enérgico ao mesmo tempo. O clima é diferente, sabe?
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