Entrevista com Luan Gusmão, do Coletivo Poesia em Trânsito

Ana Clara de Carvalho e Cely Pereira

 

Troca de experiências, almas e poesia, o coletivo se distribui e se mostra, transparecendo a empatia, proporcionando felicidade, sorrisos, histórias. O Poesia em Trânsito, como circuito poético, leva a literatura ao alcance das pessoas, em meio ao caos (des)ordenado dos ônibus em Salvador; a arte chega e se espalha, agrega, muda. Os trânsitos promovidos e acumulados se tornam marcas das narrativas vividas. O coletivo coexiste com o Coletivo e dessa troca a realidade se transforma, a cidade se transforma, o mérito do Poesia é essa rede de afetividades.

 

PET-Letras: O que é o coletivo Poesia em Trânsito?

Luan Gusmão: O Poesia em Trânsito é grupo que tem o propósito de levar para o ambiente urbano cultural – quando eu falo ambiente urbano cultural, entra todos os ambientes que tenham algum tipo de troca humana, desde um ônibus a uma escola, a uma praça, a uma recepção, à universidade... – poesia e a importância do hábito da leitura. Busca, também, conscientizar as pessoas de que todos podem ter o domínio da língua, porque quando a gente analisa o contexto social em que é colocada a língua de não empoderamento das pessoas, estamos ali para dizer que elas podem sim escrever poesia, podem consumir literatura e que elas estão aptas a fazer isso, basta criar esse hábito. Quando você vai num ambiente em que a pessoa está sendo oprimida socialmente e você traz um objeto lúdico, um livro, você pode não fazer nada ou até fazer uma poesia de silêncio, um hai kai, você vai mudar um contexto enorme. Acho que também tem essa questão do silêncio, do tom, para a gente conseguir chegar nos lugares. Viemos com esse estudo de saber chegar nos lugares e levar arte para mudar a concepção.

 

PL: Como surgiu o projeto?

LG: O projeto Poesia em Trânsito surgiu oriundo de um grupo chamado Poesia Além das 7 Praças, um grupo que tem Estrela Rocha, Thiago Gato Preto, Marcos Peralta, poetas que vieram do grupo Poetas da Praça nos anos 80. Então, o grupo tem membros remanescentes de outros e foi criando coisas novas. Os três grupos dialogam entre si e ainda existem. Mas o Poesia em Trânsito é o mais recente, de 2012, e o que eu acho que conseguiu ter mais expressão, expressão numérica de pessoas, por trabalhar diretamente nos ônibus, nos ambientes públicos e por ter a oportunidade de ter realizado dois projetos com edital. Vale ressaltar que o Poesia em Trânsito não é um coletivo que iniciou os trabalhos nos ônibus, longe disso, e nem um coletivo que é o único que faz trabalho em ônibus, não, a gente é uma potência vingadora, que vem com a possibilidade de agregar.

 

PL: E o nome Poesia em Trânsito?

LG: Transitar, né, com a poesia, o nome diz tudo do projeto, tanto da gente, da vontade da gente, de transitar pelos espaços e o nosso livro tem o nome Transe Poético que a gente fica em transe com as poesias.

 

PL: Como autoria e como os poemas são escolhidos?

LG: Então, esse processo entra no diálogo do grupo quando nós queremos fazer jogral, em que cada um fala uma parte da poesia. Mas a poesia autoral, cada um leva um estilo, leva uma visão. Posso falar por mim, depende do momento também. No ônibus, eu procuro recitar coisas positivas: Mário Quintana, Damário Dacruz, ou os meus poemas mais leves e que vão dizer para pessoa “resista”, “o mundo é mais feliz do que você tá vendo”, trazer uma utopia – “Se as coisas são inatingíveis, ora, por que não querê-las/ que triste seriam os caminhos se não for a mágica presença distante das estrelas” (Mário Quintana). Eu gosto de trazer esperança pela lógica de que o mundo está bem cruel e que já somos massacrados diariamente. Tirando essa hora agora de “fora Temer” que eu dou minha pontada e faço isso de uma forma bem sutil, porque acho que é um dever mesmo. Como lido com bastante pessoas, vou falando assim: “gente, tem um ministério aí que não tem nenhuma representatividade de minorias, vamos prestar atenção nisso.”

 

PL: Qual a reação do público ao trabalho de vocês?

LG: Quando eu falo que faço poesia nos ônibus para as pessoas, algumas dizem “é foda, né, o povo não tem cultura”. Eu já cansei de ouvir isso, milhares de, e no início eu ficava “não, pô, a galera entente”. Depois eu entrei nesse paralelo e percebi que na verdade é essa pessoa quem está aculturada, eu tento despertar ela porque o povo que tá ali, tá recebendo, existe a carga. Um ou outro vai te ignorar, vai olhar pro lado, vai continuar lendo... Tem os fanáticos religiosos que dizem que só leem a Bíblia; sempre tem várias coisas assim. Você lida com maluco que grita.... Você tá na rua, né? Então vai depender muito do buzu. Quando é barulhento, faço outro tipo de trabalho, passo uma mensagem mais curta. Eu creio que as pessoas estão dispostas a ouvir e a entender. Não tenho como dizer assim o que elas sentem, mas que elas estão dispostas, sim, no olhar, no sorriso, nas palmas. Não é sempre que vêm, mas, às vezes, uma apresentação sem palmas tem mais força do que aquela que a galera bateu palma.

Essa recepção das pessoas muitas vezes é mais singela. Você vai num buzu péssimo e que, quando termina a apresentação, tem uma senhora que te conta uma história da vida dela porque se emocionou com o que você falou; então, pra mim, aquela senhora me marca pela vida toda. O que eu acho curioso é que a galera do nosso coletivo em geral vai chegando devagar, assim com calma, tem uma suavidade ali. O ferryboat, por exemplo, é diferente do buzu e é bem legal. O bom do ferryboat é que a gente tem entre 15 e 20 minutos de apresentação estável, então as pessoas veem uma composição melhor. No buzu, o balanço, o barulho, o sobe e desce, você faz dez ônibus e você já tá morto... Eu já tô ficando cansado, eu faço desde 2013. E, pra mim, O Poesia é uma mudança; eu não cantava e não tinha uma facilidade de lidar com a oralidade. Então, foi por necessidade que eu comecei a fazer poesia. Recitar poesias foi meu trampolim, minha quebra, meu aprendizado.

 

PL: Vocês têm apoio financeiro?

LG: A questão do financeiro é que o coletivo não tem uma verba de ajuda de custo fixa como uma renda de produtos, a não ser o chapéu e os livros que a gente vende. Tem algumas fases que a gente entra com projetos prontos, e isso é uma questão política. Geralmente, os editais favorecem os produtos prontos e não a manutenção de coisas para serem feitas. Eles não negociam com a gente por períodos longos e sim períodos curtos de 3 meses pra fazer um bocado de coisa. O dinheiro não dá tanto, não conseguimos bancar 20 poetas; a gente pega uma grana e, de repente, estamos ali por a gente de novo. Em termos de renda do Poesia, coletivo, a fonte principal é o próprio chapéu do poeta e a produção dos livros. A gente conseguiu ser contratado agora, até dezembro, pela Fundação Gregório de Matos, no Pelourinho Dia e Noite, em que fazemos um cortejo poético. Cada integrante tem um valor fixo e isso tem ajudado.

 

PL: Quais são suas expectativas para o projeto?

LG: O que espero é fortalecer o Poesia, mesmo já sendo um projeto tão forte no sentido emocional, pois é uma rede que se criou com uma força tão linda. O que eu acho é que o projeto pertence e tem que pertencer a um fluxo de coisas, um coletivo mais amplo. Minha pretensão é essa, de auto sustento, aonde a gente consiga imprimir várias pessoas diferentes, um fluxo de saraus em praças, em bairros diferentes, uma rede tamanha que as pessoas entendam esse projeto com um ponto chave de união.

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