Entrevista com João Victor Madureira, guitarrista da banda Madame Rivera

Antonio Caetano e Hilário Zeferino

 

Tendo surgido nos Estados Unidos entre o final da década de 1940 e o início da década de 1950, o Rock and Roll é um estilo musical que se espalhou pelo resto do globo rapidamente. Atraiu na época, principalmente, adolescentes, mas logo, os públicos de faixas etárias mais velhas se renderam ao som que era inovador, irreverente, rock. O estilo musical garantiu o poder de influenciar na época, e até hoje, estilos de vida, moda, comportamentos e linguagem, sendo exibido em diversas mídias como o rádio, a televisão e o cinema. Na década de cinquenta houve também o apogeu do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, que teve o movimento também relacionado com o Rock and Roll, pois este agradava grande número de jovens americanos, sendo eles negros ou brancos. O Rock, com o passar dos anos, originou diversas vertentes e estilos de som e batida, e ganharia uma imagem de representatividade das minorias sociais, pois tratava em suas letras de temas que, a depender de como fossem discutidos, eram considerados tabus, como política, sexo, religião. Podia se ver de tudo no mundo do rock, desde integrantes de uma banda que usavam terno e gravata à integrantes de outras bandas que não usavam camisa, usavam calças apertadas, cabelos compridos e maquiagem. O rock, por si só, tornou-se diverso, principalmente após sua consolidação em outras partes do mundo. Porém, existe certos níveis dessa consolidação. Atualmente, por exemplo, em Salvador – BA, as bandas de rock precisam competir com diversas outras vertentes musicais, estas sim, muito mais consolidadas em território baiano, como o Axé, a MPB, o Pagode e o Arrocha. O rock baiano existe, possui público, mas por ser parte de uma produção artística menos popular, sofre na busca de se manter na ativa.

 

PET-Letras: Como você, membro de uma banda de rock, vê o cenário desse nicho aqui na Bahia?

João Victor Madureira: Eu posso falar de Salvador. A gente saiu, na verdade, uma vez, pra ir pra Camaçari, mas é tudo aqui perto, né? E o cenário é o seguinte: Não existem... Existem casas em Salvador, vocês devem conhecer o Irish Pub, o Taverna, o Ronco’s, uma em Brotas, que foge do centro, chamado The Other Place, que é um clube de motoqueiros. Tem umas maiores, que são o Groove Bar e o Portela Café, e pra bandas como a minha, que ainda não são conhecidas, assim como muitas outras, é muito complicado a gente se organizar pra poder tocar. Por quê? Por causa dos custos. Abrir a casa custa. Ter o equipamento custa. Ligar os equipamentos custa. E quem é que paga isso, né? Então, 95% das vezes, a gente leva ferro sempre. E a gente tem que arcar com quase tudo. E, por conta disso, a gente não toca tanto. Mas, ainda assim, quando a gente toca, tem o problema do público. Os amigos às vezes vão, às vezes não.

 

PL: É aquela piada, os amigos gastam 150 reais numa banda grande...

JVM: Os amigos gastam 280 pra ver David Gueta apertar play. Mas, não pagam dez reais no show do seu amigo. E isso é complicadíssimo. O que emperra realmente o crescimento das bandas. Sem contar que a cerveja dentro do lugar custa dez reais, e no isopor, três custam cinco. E aí é dificílimo a gente competir com coisas como essa. Fora que, volta e meia tem outras atrações em Salvador, por exemplo, sábado dia 22, acredito, vai ter Matanza. É uma banda nacional conhecidíssima, e quem resolver tocar dia 22 vai se ferrar. Não vai ter público nenhum. Sem contar também o problema de divulgação e a irresponsabilidade de algumas casas. Elas não divulgam, elas são desorganizadas. A gente marca sete da noite pra casa que vai abrir nove, pra arrumar o palco, passar som arrumar as coisas lá dentro e o cara chega oito e meia! Ou nove e meia. Aí fica com meia hora de atraso do que a casa deveria ter. Então, coisas como essa emperram o crescimento, o desenvolvimento da gente. É um problema crônico daqui. A gente teve oportunidade de tocar uma vez no Rio há quatro anos, e foi muito desorganizado, mas foi assim, uma diferença abissal da organização daqui de Salvador. O som era maravilhoso, a casa era maravilhosa, os profissionais envolvidos – técnico de som... – era outro patamar. E quando a gente falou lá “Caralho, isso aqui é foda, isso aqui é maravilhoso!”. A galera falou assim: “Tá uma merda”. Então, imagino o quê que Salvador não deva ser, né?

 

PL: E o público de rock aqui em Salvador? Ele é consolidado? E, por ser minoria, em comparado com outros públicos de outros estilos musicais, eles prestigiam o trabalho de vocês?

JVM: Eu toco há mais ou menos dez anos. E o público foi mudando, né? Eu tenho vinte e três, quando eu comecei a tocar, com uns catorze/quinze anos, o público era mais adolescente, só podia sair à tarde pros lugares, e só queriam escutar cover. Hoje, eu toco pra uma faixa etária que vai dos vinte aos cinquenta, e os mais jovens ainda continuam querendo escutar cover. Então, por exemplo, o Groove Bar é um lugar que só tem espaço pra cover, e as pessoas pagam trinta, quarenta, cinquenta reais pra escutar banda cover. Mas penam pra dar os dez reais pra uma banda que tá ali aparecendo agora. Mas assim, temos alguns amigos que apoiam e estão sempre juntos. E todo show que a gente faz, aparece alguma pessoa que a gente nunca viu e fala “Pô, legal o som! Gostei. Como é que eu acho?”. Alguns voltam e outros a gente nunca mais viu. Mas, em resumo, o público é muito mais reduzido em comparação aos outros tipos de público que tem aqui, mas o pessoal que gosta de rock, ainda assim, a maioria apoia mais a banda que possui um som mais popular. Popular em que sentido? É aquele som que consiga agradar a mais tipos de público. Por exemplo: Scambo. É uma banda de rock popular. Outra daqui de Salvador, Vivendo do Ócio que já saiu, é um rock, assim, menos popular no som, mas, ainda assim, de apelo popular. Com o som que a gente faz, minha banda faz, não. É mais complicado.

 

PL: O que vocês tocam?

JVM: Olha, 90% do show da gente é autoral, e são músicas pesadas. Vocês conhecem Scalene? É mais ou menos aquilo ali.

 

PL: E dentro dessa realidade, como é a relação entre as bandas de rock?

JVM: Existe um grupo de bandas que querem, assim, monopolizar a visibilidade.

 

PL: E elas são principalmente de cover?

JVM: Não. Não são de cover. São bandas que tocam músicas autorais, mas que querem monopolizar a visibilidade, essas bandas são fechadíssimas e querem tudo pra elas. Outras, como a minha, a gente gosta de democratizar o espaço. A gente tá sempre convidando alguns amigos, somos convidados por outros. Mas esse grupo que a gente tem de bandas amigas se ajudam bastante. Tem a minha, Madame Rivera, temos a banda Ronco, que tá sempre convidando a gente, e a gente sempre convida; tem uma banda chamada os Nóides, uma banda chamada Havana Rock Club, uma de Feira de Santana, Cine Iris, outra de Feira de Santana também que não é contato direto, mas através da Ronco que é chamada Novelta. Então a gente tá sempre por aí tentando fazer alguma coisa juntos.

 

PL: Em relação ao público do rock e aos integrantes de bandas de rock, mundialmente falando – e queria que você dissesse se isso procede em Salvador também – vemos um mundo composto em sua maioria por homens, correto?

JVM: É, o rock é uma vertente musical, não vou dizer dominada, mas que a maioria das pessoas, ao menos que trabalham com, são homens. Existem vários exemplos no mundo e no Brasil de mulheres que se destacaram. No Heavy Metal existem vários exemplos, no exterior temos a banda Halestorm, liderada por uma mulher, temos aí a Epica, liderada pela Simone Simons, tem a Nightwish, liderada pela Tarja Turunen. E aqui no Brasil, tem Rita Lee, né? Que é um dos primórdios aí do rock brasileiro. Pitty, daqui de Salvador, temos uma banda de Natal, muito boa, chamada Far From Alaska, que tem uma menina também liderando a banda. E, aqui em Salvador, bandas com meninas, tem uma banda só de menina chamada Rock Sally, acho bem legal. Tem uma banda chamada Rubra, que é uma menina que canta, e tem a minha, a Madame Rivera, que também é uma menina que canta, Janaína. Mas sim, a maioria das pessoas que trabalham com rock são homens, embora isso esteja mudando. O que eu acho legal, por que já tem uma coisa diferente, então isso destaca de uma certa forma.

 

PL: E como é a grande mídia? Jornal, iBahia?

JMV: Olha, de vez em quando, aparece o nome da gente nos sites, naquela página de agenda da cidade. Aí eles procuram saber de todas as casas de Salvador. Das casas que tocam forró, que tocam axé e das que tocam rock. Aí aparece. Mas, espaço pra fazer uma entrevista, pra fazer uma reportagem, pra mostrar o que é, é muito pouco.

 

PL: E vocês já tentaram algo do tipo do Super Star?

JMV: Já, já tentamos milhares de editais. Sei lá, cinquenta. E de cinquenta a gente conseguiu três. Esse do Rio que eu falei. Qual foi o outro? Um eu não vou lembrar agora, acho que foi pra tocar em Catu. Com outra banda, isso foi com outra banda. E a Madame Rivera a gente conseguiu pra tocar agora no Festival da Primavera, que a gente vai tocar domingo lá na Centenário.

 

PL: A sua história com o rock vem de que influência? Como você começou a curtir o som? Coisa de família, irmão, amigos? Que bandas você ouvia?

JVM: Começou quando eu tinha doze anos. Eu fui jogar videogame na casa de um vizinho, e um amigo desse vizinho tinha gravado uma mídia com várias músicas e, quando eu cheguei, tinha acabado de tocar. Aí tocou uma música e eu fiquei doido, eu falei “Caralho, que porra é essa?!” e eu passei o dia inteiro ouvindo a música. Ela terminava, e eu voltava, ela terminava, eu voltava.

 

PL: Você lembra qual era?

JVM: Lembro, Nova Era, do Angra. Ai eu falei “Poxa, esse cara parece o cara que canta o tema de abertura dos Cavaleiros do Zodíaco”.  Naquela época, a internet era a manivela. Eu voltei pra casa correndo quando saí de lá, liguei o computador, era um sábado, e pesquisei quem era que cantava a música dos Cavaleiros do Zodíaco. Descobri. Descobri que ele tinha uma banda, só que a banda já tinha quatro CDs. Naquela época, era Kazaa que a gente baixava como se fosse um torrent, aí eu baixei CD por CD. Escutei o primeiro do AngraAngels Cry. Não tinha a música. Escutei o segundo, Holy Land, não tinha a música, escutei o EP do Holy Land, o Freedom Call, não tinha a música, escutei o Fireworks, não tinha a música, baixei o Rebirth aí a primeira música era Nova Era, aí pronto. Descobri. Aí eu comecei a gostar de rock, antes eu nem ligava pra música, eu não escutava nada. Minha vida era jogar videogame. Aí eu conheci o Angra, gostei do Angra, comprei uma guitarra. Fiz aula e desde então estou tocando. E aí conheci uma infinidade de coisas.

 

PL: E dentro do programa, dentro do PET, você enquanto petiano egresso, no momento que você estava aqui você fez shows, como foi o pessoal aqui com sua banda?

JVM: O período que eu fiquei no PET foi um período que eu terminei minha primeira banda, a primeira que fez shows, e que eu comecei a pensar a Madame Rivera. Então, nos meus dois anos e pouco de PET, o que eu basicamente fiz em relação a tocar foi: conhecer pessoas, criar um conceito, elaborar esse conceito, pensar num nome e começar a compor. O primeiro show que a gente fez foi em dezembro do ano passado, e eu saí do PET em janeiro. Na verdade, a gente tocou no EBAPET de 2014, mas não foi muito bom, não.

 

PL: Como surgiu o nome?

JVM: Uma infinidade de motivos que convergiram nesse nome. A primeira banda que eu tive, desses cinco integrantes, três, eu, Janaína e Orlando ainda estamos juntos, a gente toca na Madame Rivera. Eu sempre quis que o nome da outra banda mudasse, era Five Ways, horrível, eu detestava. E aí, como o pessoal se separou, eu chamei os dois pra a gente fazer uma outra banda e a primeira coisa que eu falei foi: “O nome tem que ser bom!”. Tá bom, e a gente vai pensar no nome como? A gente pensa coisas que todo mundo tem em comum, então a gente pensou no lugar onde a gente toca sempre, que é o berço do rock em Salvador, que é o Rio Vermelho. A gente pensou o que todo mundo tem em comum em relação aos aspectos da vida e como a gente pode transformar isso em uma coisa comercial. Então, a gente sempre toca no Rio Vermelho, toda banda de rock em Salvador, fatalmente, começa no Rio Vermelho, e continua durante anos. Aspectos similares na vida de todos os cinco integrantes, até os dois que entraram por último: somos todos rodeados por mulheres. Ou fomos criados ou as melhores amigas sempre foram mulheres. E como a gente pode transformar isso numa coisa comercial. Eu pensei, na verdade, e convenci o grupo. A gente pode, então, criar um personagem e esse personagem vai levar um nome que vai ser o nome da banda. E “rivera” é ribeira em espanhol, mas partiu de “river”, que é “rio” em inglês. E “madame” simplesmente por ser uma figura feminina. E a partir daí, criando esse conceito, a gente extrapola pra várias outras coisas, como: Madame Rivera era Frida Kahlo, a esposa do Rivera, do pintor. E como a cantora, a figura frontal da banda, como é mulher, a gente também se utiliza dessas coisas pra se tornar uma coisa mais comercial. Resumindo: o nome é o conceito da banda, que é um personagem, que sintetiza as nossas vivências e experiências que são as nossas músicas. Ela é a personagem principal de todas as músicas. Todas as músicas, se fosse um homem cantando na banda, têm como personagem uma mulher, que é a Madame Rivera.

 

PL: E como fica a divulgação via internet? Vocês têm página no Facebook?

JVM: Facebook, Instagram e YouTube, é o que dá pra fazer.

 

PL: Vocês têm uma conta própria da banda, então?

JVM: Temos uma conta própria da banda, pode entrar no Facebook e curtir logo!

 

PL: Com certeza! Eu fiquei curioso, quero conhecer. E, por exemplo, eu vejo muitos artistas que realmente ascendem pra mídia através do Facebook e através do YouTube? Vocês têm Spotify, por exemplo?

JVM: A gente tá gravando, terminamos de gravar baterias. Estamos arranjando um tempo pra conseguir gravar o resto das músicas, mas isso aí é uma gravação bonitinha. A gente já tem uma gravação de um ensaio, não no Spotify, mas no SoundCloud. A gente não botou no Spotify justamente pela qualidade, tem diversos problemas nas gravações. De problema técnico, por ser ao vivo no estúdio, a problema da mão do músico. Quando a gente toca ao vivo se empolga, fica mais rápido, dá uma porrada mais forte, grita mais alto. Tá só no SoundCloud pras pessoas verem como é mais ou menos. Mas estamos gravando, assim que a gente gravar, a gente espera lançar em dezembro um EP digital e divulgação é basicamente internet por enquanto.

 

 

PL: Você falou dos ensaios... Vocês ensaiam num local fixo ou...?

JVM: É um local fixo. É um estúdio no Matatu chamado Mofinho Records de um amigo da gente, Portuga. É o melhor estúdio que eu já conheci, é espaçoso, é frio, porque quem toca num estúdio tem que tocar num lugar frio, é acessível, tem estacionamento na rua, não o estúdio, mas na rua dá pra parar os carros e não é caro comparado ao que ele oferece e ao que estúdios maiores oferecem, não é caro, acessível pra a gente.

 

PL: Vocês lançando um EP digital, lançariam gratuito, pelo Bandcamp custando não sei quanto?

JVM: A gente botaria no YouTube, a primeira produção assim, a gente tem que dar a cara a tapa, a gente não pode dar um passo maior que a perna, né. A gente pode cobrar de outras formas. A música é gratuita. “Ah, gostei da música, quero uma camisa dessa banda”. A gente tem uma camisa, a gente vai começar a fazer a divulgação pra venda no lançamento do mural que a gente vai trazer.

 

PL: O que você toca na banda?

JVM: Sou guitarrista.

 

PL: E quem compõe? Todo mundo ou tem alguém que escreve?

JVM: Nós temos várias formas de compor. Janaína escreve 90% das letras. Então, às vezes, ela faz uma letra, faz três acordes no violão, cria uma melodia e diz “Galera, eu tenho isso aqui”. Aí, nós quatro, o restante, eu, Orlando, Nilton e Ke Ning, a gente quebra a cabeça pra fazer um arranjo que dialogue com nosso conceito. Essa é uma forma de compor. Outra forma: a gente cria algum riff, sei lá, algum andamento, mostra pra todo mundo, todo mundo se junta e vai criando junto. Às vezes, o arranjo e a letra nascem juntos. Ou, às vezes, eu crio a música pronta, entrego o arranjo e digo “Jana, faz uma letra aí”. E as últimas três músicas, a gente foi convidado pra tocar em Camaçari e era um show mais longo. Geralmente, os shows em Salvador duram 50 minutos, esse show era de uma hora e meia. “Porra, a gente não vai tocar metade do show de cover, a gente vai sentar a bunda hoje e vai fazer três músicas”. E a gente ficou uma semana lá em casa fazendo música.

O processo é muito matemático, pra alguns. Pra mim, é muito sistemático. Pra Jana, menos. Mas são duas formas da gente compor. Outra é ir pro estúdio, tá no intervalo, sei lá, Janaína sai pra fumar, aí ficamos eu e Nilton, o batera, brincando, aí aparece alguma coisa. Ou eu saio pra fumar, ficam Nilton e Orlando brincando, e aí sai outra coisa. Ou sai todo mundo pra fumar e ficam Nilton e Ke Ning brincando, aí sai outra coisa totalmente diferente. Então existem formas e formas. A que a gente mais usa é: Jana faz a letra e a gente compõe em cima.

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