Identidade e Linguística Aplicada

Por Cristovão Mascarenhas e Ana Paula Oliveira


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As questões relacionadas ao conceito de identidade tem ganhado muita atenção na contemporaneidade. A sociedade, influenciada pela difusão das informações a nível local e global, faz com que o sujeito assuma posicionamentos diferentes, provisórios e móveis, uma vez que, o cruzamento de fronteiras culturais viabilizam tal movimento. Surge, portanto, uma nova configuração dos sujeitos e de suas identidades diante de um espaço social que não possui mais a mesma “centralidade”, mas pelo contrário, é híbrido e complexo. Esse texto propõe, ainda que brevemente, observar a relação que existe entre identidade e linguagem. Procuraremos discutir como a linguagem influencia na (re)construção da identidade desse sujeito, para isso, nos apoiaremos à concepção de Linguística Aplicada, buscando entender de que modo essa ciência tem contribuído para a formação do sujeito no âmbito do ensino.


Já sabemos que a fragmentação e a transitoriedade são características das identidades sociais. Os contextos mudam, os costumes mudam e, por consequência, os sujeitos mudam ou reconfiguram-se. Como explicar quem somos ou quem estamos nos tornando? Essa pergunta pode ser respondida por diferentes vertentes, aqui, para dialogarmos com o objetivo do texto, escolhemos explicar através da linguagem, buscando compreender como essa ciência contribui para a construção da identidade do sujeito.  A linguagem constrói o mundo e nos constrói, “Os significados com que operamos, inclusive aqueles sobre quem somos, não são dados no mundo, não existem antes da linguagem, mas são produzidos nas práticas discursivas em que atuamos” (MOITA LOPES, 2002, p. 33).  A linguagem é, dessa forma, construtora de significados, através da prática discursiva, na maioria das vezes, engessamos alguns significados e criamos os conhecidos estereótipos e discriminações, acreditando que certas coisas são biológicas e essenciais, quando, na verdade, elas foram ensinadas e aprendidas de maneira discursiva. Porém, nessa prática, o significado sobre quem somos são gerados, construídos e reconstruídos.


No âmbito do ensino, esse processo de construção da identidade deve ser cuidadosamente percebido e compreendido pelo professor em sala de aula. Observando as visões que os alunos estão construindo acerca de suas identidades e se os discursos gerados em sala de aula estão influenciando nessa construção. O professor deve ter consciência da sua importância na formação desse sujeito, já que, na teoria, exerce “um papel de iniciador dos processos de construção de significados em sala de aula” (MOITA LOPES, 2002, p.43). Entretanto, os desafios encontrados nessa relação professor-aluno podem ser os mais variados possíveis e, nesse sentido, estudos em Linguística Aplicada têm oferecido possíveis soluções para os problemas relacionados com a linguagem humana.


A Linguística Aplicada, que se configura como uma ciência social de estudos de linguagem de caráter interdisciplinar (MOITA LOPES, 1996), que focaliza questões de linguagem em diferentes contextos e com diferentes propósitos comunicativos e interacionais.


No ensino de língua deve-se levar em conta o sujeito representado pelo aluno. Não se preocupar com o universo vivido pelo estudante é um equívoco, porque o seu letramento pode não ser o que o mediador espera como ideal.


O processo de ensino-aprendizagem vai muito além da codificação automática e sistemática da língua, envolve toda a diversidade social presente em sala de aula. Pensando nisso, Cavalcanti (1999) nos sensibiliza para criarmos uma cultura em que o professor se questione e se atualize constantemente. O professor de língua não pode achar que é detentor de todo o saber e que o estudante é uma tábula rasa, porque não é dessa forma que acontece na prática. Muitas vezes o educador prefere tirar suas próprias conclusões ao invés de se aproximar do aluno e entender o que acontece com o mesmo. Nós, professores, estamos lidando com sujeitos, com variadas identidades, assim como os professores são sujeitos com identidades que também mudam a partir das interações com a vida social, inclusive na interação com os alunos. Os educadores defendem uma educação inclusiva, de verdade, na qual se leve em consideração a história social dos alunos (principalmente alunos de escolas públicas), pois cada um possui enquanto sujeito uma identidade, ainda que temporária, formada em relação à sociedade e sua diversidade. Todavia, no momento de colocar toda esse discurso em prática, as coisas mudam. Ao chegar no contexto escolar, com todas as dificuldades que o professor precisa enfrentar, o mesmo acaba cometendo equívocos, repetindo tudo que já vem sendo feito há décadas e prejudicado a formação de muitos alunos-cidadãos.


Um dos papéis do professor-mediador é ajudar a formar esse sujeito, que não chega pronto ao mundo, ele se constrói a partir da interação em suas relações na sociedade, através de suas falas e das falas dos outros... isso apenas confirma que a escola também é um espaço de relações sociais e que o professor participa da constituição sujeito-aluno. Dessa forma, devemos refletir sobre a cultura de sala de aula e seus desdobramentos na sociedade. É importante que os profissionais da educação se questionem em se alguns ou muitos professores, ainda, continuam preparando  suas classes  ignorando as diversidades naturais de um grupo heterogêneo. É importante que os professores se questionem, também, se os próprios não continuam cometendo esse mesmo erro.


Coracini (2003, p. 45) destaca em seu texto Língua estrangeira e língua materna: uma questão de sujeito e identidade:




A escola trabalha no sentido de abafar as diferentes vozes que constituem o sujeito, tornando-o mero “repetidor” da voz do livro didático e/ou do professor, seguidor de esquemas e fornecidos a priori, cujo objetivo parece ser o de dar consciência de um processo que também é construído a partir de generalizações e de modelos ideais do “bom leitor”, “do bom produtor de textos”, “do bom aluno”.



É responsabilidade do sujeito o uso que ele faz da linguagem. O aluno não é apenas um repetidor de um discurso já existente, mas um agente dentro do processo discursivo, capaz de interferir e até modificar o discurso social. Por isso, não é necessário que o professor dependa de uma determinada metodologia, pois nenhuma daria conta sozinha da heterogeneidade do universo dos alunos. A escola e os professores devem criar condições para a autoconstrução. O educador precisa aproximar-se dos estudantes e garantir um contexto de aproximação, também entre os alunos, percebê-los como vozes heterogêneas na construção do conhecimento.

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