Cognitivismo
Sucessora do gerativismo na linha cronológica das correntes linguísticas, a linguística cognitiva desconstrói as ideias de autonomia da estrutura interna da língua (predicada pelo estruturalismo de Saussure) e da faculdade da linguagem (apresentada por Noam Chomsky) como “órgão” autônomo no ser humano e propõe um sistema linguístico no qual a língua não pode ser compreendida simplesmente como um instrumento de comunicação e representação das imagens (acústicas) do mundo. A língua é dinâmica e se relaciona com o que a circunda e imerge: sentimentos, contextos socioculturais, aspectos, espaço, tempo, dentre outros elementos.
O termo linguística cognitiva começou a aparecer no âmbito dos estudos linguísticos nos anos 1960, mas foi na década de 1980, mais precisamente, que este termo passou a ser considerado propriamente uma corrente linguística, por conta de um grupo de estudiosos dos Estados Unidos, dentre eles, George Lakoff, Ronald Langacker, Leonard Talmy, Charles Fillmore e Gilles Fauconnier.
A maioria desses pesquisadores eram de estudiosos da semântica gerativa, e, rompendo com a visão sintaticocêntrica, propuseram que a linguagem não se comporta como um módulo de raciocínio autônomo, independente de outros módulos, como funciona o do raciocínio matemático e da percepção, mas, sim, como perpassada por princípios cognitivos compartilhados que podem gerar diversas capacidades de cognição. Ainda dentro do campo da linguagem somente, é postulado por essa corrente teórica que não existem categorias perfeitamente limitadas, como a sintaxe, semântica ou fonologia, uma vez que elas se relacionam e precisam uma da outra para que a linguagem seja efetivamente produzida, ou seja, os níveis linguísticos não são modulares, mas sim interdepentes, centrados no aspecto semântico.
Na linguística cognitiva, a linguagem é concebida como um mecanismo que organiza, processa e transmite informações que, para serem decodificadas, dependem de fatores externos à faculdade da linguagem, de Chomsky. Para os cognitivistas, é como se a nossa fala precisasse interagir com as compreensões do meio no qual estamos inseridos para que haja entendimento na comunicação, sendo que essa compreensão pode, portanto, extrapolar os princípios da sintaxe e até mesmo da semântica.
Por exemplo, se é dito: “o atleta disparou um tiro no alvo”, acredita-se ser provável que o receptor desta comunicação compreenda que se fala de um atleta de tiro ao alvo, no entanto, se estivermos inseridos no contexto do futebol, o verbo estará se referindo metaforicamente a outra ação (chutar), e o “alvo” não será os círculos concêntricos, mas sim a meta do goleiro (gol).
Por esta relação entre a organização da linguagem no momento da comunicação e a sua inseparável ligação com as significações externas à língua e presentes, de maneira bastante particular, em cada cultura, é que esta vertente do conhecimento linguístico tem o olhar muito fortemente voltado para os processos de metaforização.
O dicionário Houaiss define metáfora como “designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”; apesar de esta definição parecer um tanto fria e, portanto, pouco clara, ela dá conta do traço da metáfora que, aqui, mais nos interessa, que é o “designar”, ou seja, o fazer compreender, dar um determinado sentido a algo, se referindo, do ponto de vista do significante, a outro, que com o primeiro, a quem se pretende chegar pelo significado, estabelece relação.
Este traço da definição de metáfora é importante ao cognitivismo porque é através dele que se chega ao estudo do funcionamento do processo de compreensão por parte do indivíduo, bem como o funcionamento do pensamento humano. Entende-se que o pensamento, que estrutura a produção linguística e a comunicação, estabelece-se através de relações de aproximação e afastamento entre sentidos, e que a forma com a qual o indivíduo, muito fortemente tendenciado pela cultura, compreende o mundo no qual está inserido condiciona ou influencia a maneira, ou as maneiras, com as quais se comunica, pensa e compreende tudo com que estabelece contato, é a mente corporificada.
A partir daí, são percebidas algumas marcas da compreensão humana de determinadas “estruturas passíveis de significações” (como o ser humano, o mundo, os sentimentos, a vida), que norteiam estes estudos, tais como a noção de corpo humano como recipiente e dos sentimentos como conteúdo, que geram metáforas como “estou cheio de ódio”, “me sinto vazio”, dentre outras, ou ainda a noção de tempo como algo material (quase monetário), que, por sua vez, gera metaforizações como: “por este caminho, perde-se/ganha-se mais tempo” ou, talvez a mais conhecida, “tempo é dinheiro”.
Finalmente, o que se acredita ser a grande e, talvez, mais ousada contribuição da linguística cognitiva é a possibilidade de se perceber como todos os conceitos, crenças, lógicas ou dogmas aos quais o ser humano contemporâneo está inserido são como são devido a formas bastante específicas, repetidas e (talvez aqui esteja a mais densa questão) interessadas de metaforização, reensinadas durante uma infinidade de séculos. Esse pensamento leva a algumas questões bastante inquietantes: até que ponto as interpretações que se acreditam ser pessoais são, na verdade, interessadamente (a quem?) reensinadas? até que ponto não são, apesar de alheias, instintivamente, visto sua idade, reensinadas? quão diferente poderia ser o mundo, tal como conhecemos, se as interpretações e valorações tivessem sido diferentes? até que ponto essas significações particularizam as culturas? ou até que ponto são particularizadas por elas?
Diante de tudo, o que parece ser bastante claro é que relevância e trabalho, a esta recente disciplina, definitivamente, não falta.
Por Filipe Castro e João Vitor Madureira
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