Little Children

O romance Little Children[1] (2005), do autor estadunidense Tom Perrotta, acompanha a vida suburbana de alguns integrantes de uma cidade fictícia. Semelhante a outras narrativas do final do século XX e início dos anos 2000, como American Beauty (1999), Perrotta procura deixar à mostra as rachaduras do american lifestyle, apresentando personagens entediados, tradicionalistas e impulsivos que, como o título do romance indica, comportam-se como crianças/adolescentes.


Em um ambiente suburbano e em pleno verão, os personagens de Little Children são caracterizados como pais e mães de pequenas crianças que não estão em uma situação de emprego formal, já que se dedicam aos cuidados da casa e dos filhos e que muitas vezes se sentem insatisfeitos e entediados. Esses donos e donas de casa encontram-se nos parques e na piscina pública da cidade: ambientes relacionados, principalmente, ao mundo infanto-juvenil. Em um dos parques da cidade, Sarah e Todd, ambos insatisfeitos com o momento de suas vidas, encontram-se pela primeira vez e iniciam um relacionamento adúltero.


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O adultério é considerado inapropriado e problemático pela maioria estadunidense, visto que boa parte da população considera os laços matrimoniais sagrados, tanto no sentido religioso como no sentido moral. Análogo ao adultério, o exercício sexual praticado por crianças e adolescentes também é criticado pelos valores morais e tradicionais da sociedade estadunidense. “Isso [esta maneira de considerar a atividade sexual dos adolescentes] reflete costumes culturais em relação à atividade sexual entre pessoas que não possuem laços matrimoniais”[2]. Percebo que ao agirem impulsivamente e ao estarem em um relacionamento adúltero, as ações de Sarah e Todd podem ser interpretadas analogamente a comportamentos de jovens que experimentam a atividade sexual antes do matrimônio. Ambas as relações são criticadas pela sociedade tradicional americana.


A comparação entre o comportamento juvenil e o dos personagens do romance fica mais explícita nas passagens em que próprio narrador a identifica:




It was an amazing performance, marred only by the slightest trace of smugness on her face, a cool erotic confindence that he couldn’t help resenting on behalf of Sarah, whose undeniable enthusiasm for sex was often accompanied by a strange, almost adolescent clumsiness.[3] (PERROTA, 2005, p. 248)



Não é apenas o comportamento sexual desses personagens que é semelhante ao infanto-juvenil. Larry, um policial afastado e companheiro de Todd nas noitadas de futebol americano, que também se encontra em um momento de insatisfação pessoal, protesta contra a decisão judicial que permite que Ronald "Ronnie" McGorvey, um criminoso sexual que cumpriu pena por ter exposto a genitália a uma criança, volte a viver com sua mãe e a conviver com a honrosa e tradicional vizinhança da cidade. Larry vai além dos pedidos de apreensão e passa a ter atitudes – pichação de palavras ofensivas e degradação da casa do Ronnie – de um bully, ou seja, uma conduta “indesejada, agressiva entre crianças em idade escolar que envolve um desequilíbrio de poder real ou percebido.”[4] (grifo nosso). Representando uma sociedade estadunidense que ainda não sabe lidar com os desvios comportamentais de ordem sexual, Larry defende a total exclusão e até a castração de indivíduos considerados pervertidos.


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O uso de drogas lícitas em segredo também coloca em um mesmo nível o comportamento infanto-juvenil e a conduta de alguns personagens no romance. É caso de Mary Ann, uma das mães e donas de casa que frequentam os vários parques da cidade. Caracterizada como exemplar em organização e disciplina familiar, Mary Ann “was one of those depressing supermoms, a tiny, elaborately made-up woman who dressed in spandex workout clothes, drove an SUV the size of a UPS van, and listened to conservative talk radio all day.”[5]. Apesar do seu perfil moralista e tradicional, Mary Ann não resiste a fumar os cigarros confiscados por ela de uma das outras mães após uma briga com o marido, porém, não permite ser vista durante sua prática. Por isso, como um adolescente que se esconde dos pais para usar diferentes drogas, inclusive cigarro, Mary Ann escapa da sua aparente confortável vida suburbana para fumar às escondidas.


A metodologia utilizada por Tom Perrotta e aqui identificada é a da insatisfação e a da similaridade comportamental entre os personagens e crianças/adolescentes. Ao explicitar esse método através dos exemplos apresentados, reforço a maneira brilhante com que o autor critica as hipocrisias encontradas nos subúrbios estadunidenses e produz uma literatura que busca dialogar com o seu contexto de produção.


por Isadora Matos


[1] No Brasil, o romance é conhecido pelo título Criancinhas.


[2] CROCKETT, Lisa; RAFFAELLI, Marcela; MOILANEN, Kristin. Adolescent Sexualiaty: Behavior and Meaning. In: ADAMS, Gerald R., BERZONSKY, Michael D. Blackwell Handbook of Adolescence. Wiley-Blackwell, 2003.


[3] Foi um desempenho incrível, afetado apenas por um traço de presunção em seu rosto, uma gostosa e erótica confiança que ele não podia deixar de sentir-se em relação à Sarah cujo inegável entusiasmo por sexo foi muitas vezes acompanhado por uma estranha e quase falta de jeito adolescente. (tradução nossa)


[4] http://www.stopbullying.gov/what-is-bullying/definition/index.html


[5] Era uma daquelas super-mães deprimentes, uma mulher pequena e feita sob encomenda, que se vestia com roupas de treino de lycra, dirigia uma minivan e ouvia a rádio conservadora durante todo o dia. (tradução nossa)

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