Cinquenta tons de cinza
Cinquenta tons de cinza (Fifty Shades of Grey, no original) é um romance inglês, escrito por Erika Leonard James e publicado em 2011. A obra é considerada um bestseller e já vendeu mais de dez milhões de cópias nas seis primeiras semanas após o lançamento, disputando com grandes sucessos de público como Harry Potter e O código da Vinci.
O livro explora como tema as aventuras sexuais de Anastasia Steele, estudante de 21 anos e virgem. Após realizar uma entrevista para a faculdade com o grande empresário Christian Grey, vê-se envolvida em um relacionamento avassalador, baseado em relações de poder, machismo e requintes de fantasia ao estilo Sabrina[1]. A problematização a ser proposta neste texto é: Qual o motivo de tamanho sucesso, particularmente no Brasil, de uma obra rasa, composta de acontecimentos muitas vezes deturpados do ponto de vista das lutas para a equiparação de direitos entre gêneros?
No desenrolar da trama, descobre-se que Grey é adepto de práticas do sadomasoquismo, preservando em sua casa um quarto do prazer. Anastasia, que a essa altura encontra-se totalmente envolvida e direcionada para aquela relação – quando a recíproca não se observa – submete-se então a essa novidade, mesmo nem sempre sentindo prazer, ao contrário, medo por vezes. Observa-se novamente o lugar da mulher na obra, recuperando os aspectos de submissão e acefalia tão perpetuados em nossa sociedade sexista. A narrativa continua a ser conduzida à ideia de que nenhuma mulher nessa situação poderia se sujeitar a outra conduta: entregar-se àquele homem com um sentimento de grande felicidade, afinal, como ele olharia justo para ela, um ser humano quase digno de pena? Que baita golpe de sorte!
Nesse sentido, é interessante pensarmos em palavras que marcadamente se repetem na narrativa, como “dominador” e “submissa”. O dominador, alusiva à personalidade de Grey, é a quem a autora, com um discurso particularmente machista, atribui características de superioridade em relação à mulher – rico, bonito, inteligente e poderoso. Ana, por sua vez, representa o sexo feminino estereotipado – sensível, frágil, ingênua e inocente. É vista como a submissa: enquanto aquele exerce o controle sob tudo que faz, esta obedece, por vezes, sem questionar, contrariando os avanços políticos e ideológicos oriundos das batalhas feministas do século XX. Para relacionar-se sexualmente com Ana, Grey estabelece um contrato sadomasoquista, no qual é evidenciado o autoritarismo masculino doentio do personagem:
Cláusula 15
15.2 - O Dominador aceita a Submissa como propriedade sua, para controlar, dominar e disciplinar durante a Vigência. O Do- minador pode usar o corpo da Submissa a qualquer momento durante as Horas Designadas, ou em quaisquer horas extras acordadas, da maneira que julgar apropriada, sexualmente ou de outra maneira qualquer.
15.13 - A Submissa aceita o Dominador como seu amo, com o entendimento de que é agora propriedade do Dominador, para ser usada como bem aprouver ao Dominador durante a Vigência em geral, mas especificamente durante as Horas Designadas e quaisquer horas extras acordadas.
Quanto à escrita, a obra é apresentada em uma linguagem simples, bastante superficial, em que a autora utiliza-se de um vocabulário pobre e restrito para a abordagem de assuntos complexos, que poderiam ser desenvolvidos de forma mais crítica e reflexiva como, por exemplo, o caso das práticas sadomasoquistas, mas que acabam sendo “pinceladas” através de detalhes, em sua maioria desnecessários, como são as incansáveis descrições das cenas de sexo, culminando, dessa forma, em uma história bastante repetitiva e até mesmo exaustiva.
Volta-se, então, à questão problematizada inicialmente: Como uma obra tão rasa pode chamar tamanha atenção do público? Seria a maneira “maquiada” e “floreada” com que os temas são trabalhados? Ou seria única e exclusivamente a figura bonita, rica e poderosa do sr. Grey, na qual as mulheres veem uma identidade forte do que é ser masculino – um verdadeiro sonho de “consumo” que as fazem suspirar – refletindo o machismo das próprias? Seria essa leitura uma distração, ou seríamos nós os distraídos por lê-la?
por Cristóvão Mascarenhas e Letícia Rodrigues
[1] A coleção Sabrina refere-se aos romances de bolso que eram comumente encontrados em bancas de revista e supermercados cujo tema normalmente tratava de envolvimentos amorosos com toques de erotismo.
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